terça-feira, 31 de janeiro de 2012

ERICO CALDEIRA


O CÉU

            Uma nuvem passa pelo céu, apenas uma mancha em um semblante límpido e sereno de uma manhã de outono. O céu contempla a existência terrena com sua calma superior, refletindo silenciosamente sobre os atos daqueles cujos olhares eventualmente se lhe dirigem.
            Uma leve brisa pode ser sentida, vinda de algum lugar distante. Sua fala é macia e seu sussurro percorre os ouvidos dos que estão dispostos a escutar: “é chuva que aí vem”. O céu continua impassível, a manhã passa despercebida e convida gentilmente a tarde a aparecer.
            A tarde traz consigo o caloroso abraço do sol e o prenúncio da turbulência que se anuncia no horizonte. O céu apresenta um semblante cansado que denuncia sua idade. Olhos vermelhos e secos guardam lágrimas contidas e uma tristeza sem fim por mais um dia cheio de erros da humanidade. Ciente disso, tenta esconder o semblante com as mãos. Sua expressão se torna nebulosa e, lentamente, forma-se uma lágrima na palma de sua mão. As nuvens não são o suficiente para esconder sua desolação e a tarde, piedosa, convida a noite a trazer seu abraço de escuridão.
            Já é possível chorar sem inibições e o céu enfim libera sua angústia. A princípio seu pranto é silencioso e tímido, mas a compostura vai aos poucos desaparecendo e se torna possível ver lampejos de sua fúria amargurada. Gotas já não são suficientes para expressar a dor celestial e ele tenta desesperadamente descarregar sua mágoa sobre a terra. O céu padece, mas a chuva limpa.
            As primeiras horas do novo dia trazem consigo esperança de renovação e o céu se permite uma pausa. Sente-se exausto, mas também, de alguma forma, limpo, quase como no dia em que nasceu.
            Cansado, tenta encontrar sossego nas estrelas, em busca de respostas para o que não se pode perguntar apenas com palavras. Seu semblante é profundo e distante, mas nem por isso indiferente, sendo, pelo contrário, tão intenso que traga os desavisados para horas de contemplação.
            O tempo passa e, vagarosamente, a passos preguiçosos, o sol começa a anunciar sua presença. O céu – ciente de tudo – se prepara para mais uma jornada, sem perder a esperança. Não que ele tenha outra escolha.

Um comentário:

  1. Impressionante! Cada postagem melhor, muito bom! Essa está entre as melhores, sem dúvida!
    O céu testemunha passivamente nossas dores e amores. Grande reflexão!

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