sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Érico Caldeira


O outro amor

Ocasionalmente me vem à cabeça algumas perguntas capciosas, quase sempre sem respostas satisfatórias. Uma delas, que já me incomoda faz algum tempo, trata da questão do amor de um foco um pouco diferente.
                Parece que sempre que falamos de um amor genuíno, puro, estamos mencionando, ainda que implicitamente, o caso de um homem e uma mulher. Mas o que dizer do amor homossexual? O que dizer do caso de Paul Verlaine, poeta francês que abandonou esposa e filho para viver com seu “amigo” Rimbaud e que depois, apaixonado por um de seus alunos, entra em depressão ao ver o rapaz morrer de tifo. O que dizer de Safo, poetisa grega que foi considerada por Platão a décima musa? Será que ela também não sofreu com o amor platônico?
Deixo dois trechos das obras desses dois seres humanos, que não se livraram das dores do amor só por que eram “gays”. Ao contrário, lidaram com uma de suas faces mais obscuras e incompreendidas.

La Bonne Chanson – Paul Verlaine (tradução livre)

Não é mesmo? Apesar dos tolos e dos malévolos
Aqueles que nunca falharão em invejar nossa alegria
Seremos às vezes orgulhosos e para sempre piedosos.

Não é mesmo? Iremos lenta, alegremente, na modesta
Estrada que nos revela o sorriso da Esperança
Se seremos vistos ou ignorados, não importa.

Isolados no amor assim como em um bosque escuro
Nossos dois corações exalando uma passível ternura
Serão rouxinóis cantando dentro da noite.

Quanto ao mundo, que nos seja odioso
Ou delicado. O que seus gestos significam?
Deixe-o fazer de nós um alvo, ou que nos acaricie.

Presos pelo mais forte e querido laço,
E mais, possuindo armadura adamantina,
Sorriremos e não temeremos nada do que vemos.

Despreocupados com o que quer que nos destine
A Fortuna, marchando em frente e a pé nós iremos.
Mão na mão, com as almas infantis
Daqueles que amam, não é mesmo?


O Ciúme – Safo

Parece-me igual aos deuses
O homem que, diante de ti e próximo,
Escuta a tua doce voz e o teu
Riso amorável. Isso me faz
Tumultuar o coração no peito. Na verdade,
Basta-me ver-te para que
A voz me falte, a língua
Se me fenda e um repentino
Fogo subtil alastre
Sob a minha pele, os olhos
Se me escureçam, os ouvidos
Me zumbam, o suor
Me inunde, um arrepio
Me percorra toda. Fico
Mais verde do que a erva. Sinto
Que vou morrer.
Mas tudo é suportável, desde que humilde.

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